Escrito por Por Patricia Tai
Há abundantes evidências de que porcos são tão inteligentes e sociáveis quanto cães. Mas enquanto para uma espécie é permitida a afeição e o respeito, a outra encara assassinatos em massa na rota para se tornar bacon, presunto e costeletas.
Buscando capitalizar em cima dessa discrepância, defensores dos direitos animais estão lançando uma campanha chamada “Someone Project” que pretende destacar pesquisas retratando porcos, galinhas e outros animais criados para o consumo como mais inteligentes e emocionalmente complexos do que geralmente se acredita. A esperança é que mais pessoas possam ver estes animais com a mesma empatia que sentem para com cães, gatos, elefantes, símios e golfinhos. As informações são da Global Animal.
“Quando você pergunta às pessoas por que elas comem galinhas mas não gatos, a única coisa que elas expressam é que sentem cães e gatos mais sofisticados cognitivamente que as espécies que elas comem – e nós sabemos que isso não é verdade”, disse Bruce Friedrich do Farm Sanctuary, uma organização de proteção animal vegan que está coordenando o novo projeto.
“Tudo se resume ao fato das pessoas não conhecerem animais criados para consumo do mesmo modo que conhecem cães e gatos”, explica Friedrich. “Nós somos uma nação de apaixonados por animais, e ainda assim, os animais que encontramos com mais frequência são os que nós pagamos para as pessoas matarem a fim de que possamos comê-los”, completou.
A cientista líder do projeto é Lori Marino, professora de Psicologia na Universidade de Emory que conduziu extensiva pesquisa sobre a inteligência das baleias, golfinhos e primatas. Ela planeja rever a literatura científica já produzida até então a respeito da inteligência dos animais explorados para consumo, bem como identificar áreas que justifiquem novas pesquisas e preparar relatórios sobre suas descobertas, que ela deverá fazer com que circulem por todo o mundo através das mídias sociais, vídeos e apresentação pessoal em conferências científicas.
“Eu quero ter certeza de que tudo isso será levado a sério”, disse Marino em uma entrevista. “O ponto não é colocar estes animais em um ‘ranking’, mas reeducar as pessoas sobre quem eles são. E eles são animais muito sofisticados”.
Para Marino e Friedrich, ambos veganos, os objetivos básicos do projeto são: construir apoio público para o tratamento humano aos animais, e impulsionar as fileiras de americanos que decidem não comer mais carne.
“Este projeto não visa coagir as pessoas a se tornarem veganas do dia para a noite, e sim dar-lhes uma nova perspectiva, embora esta talvez venha a fazer com que se sintam um pouco desconfortáveis”, Marino acrescentou.
“Pode ser que elas venham a pensar: ‘Eu não sabia que vacas e porcos poderiam reconhecer uns aos outros e fazer amigos especiais’ “, disse ela, que também comentou que isso deverá fazer as pessoas “se contorcerem um pouco”, e que será bom se for assim.
As maiores associações representando criadores industriais de aves e porcos dizem que os fazendeiros por elas representados já tomaram medidas para minimizar o tratamento cruel aos animais nas fazendas.
“Enquanto animais criados para servir a alimentação humana realmente têm um grau de inteligência, o Farm Sanctuary está buscando humanizá-los no sentido de fazer avançar a sua agenda vegan – um fim para o consumo de carne”, criticou David Warner, do Conselho Nacional de Produtores de Porcos. “Veganos têm o direito de expressar a sua opinião – e nós respeitamos esse direito – mas eles não deveriam forçar o seu estilo de vida aos outros”, acrescentou.
Gwen Venable, da Associação Americana de Aves e Ovos defende que a carne de aves provê uma fonte valiosa e acessível de proteína.
“Consumidores deveriam ser capazes de escolher sua comida baseados em suas próprias preferências alimentares e necessidades nutricionais, sem serem indevidamente influenciados pela agenda pessoal de um grupo”, escreveu ela em um e-mail, e disse ainda: “Nós não sentimos que a campanha do Farm Sanctuary seja razoável, uma vez que tem por objetivo último erradicar as aves e os porcos das dietas dos consumidores”.
Thomas Super, do Conselho Nacional de Frangos, diz que esforços para comparar animais de fazenda com os domésticos é parte de uma estratégia para criar uma sociedade “livre de carne”. Ele também argumentou que os fazendeiros e as companhias criadoras de galinhas têm grande interesse em assegurar que os animais sejam saudáveis e bem tratados.
Apesar do Someone Project abranger várias espécies de animais exploradas para consumo humano, os porcos deverão receber um foco especial dada a amplitude de estudos anteriores sobre sua inteligência e comportamento. Alguns pesquisadores dizem que as habilidades cognitivas dos porcos são superiores às de uma criança de três anos de idade, assim como as dos cães e gatos.
A ONG PETA (People for the Ethical Treatment of Animals) tem uma seção em seu site intitulada “The Hidden Lives of Pigs” (“As vidas ocultas dos Porcos”), que retrata os mesmos como animais sociáveis, divertidos e protetores, com um vocabulário composto por mais de vinte expressões vocais diferentes.
“Porcos são conhecidos por sonhar, por reconhecer seus próprios nomes, aprender truques como sentar para ganhar um petisco, e levar vidas sociais com uma complexidade previamente observada somente em primatas”, diz o site. “Como os humanos, os porcos apreciam ouvir música, brincar com bolas de futebol e receber massagens”.
No site, também são recontadas notícias de porcos que salvaram a vida de animais em perigo ou que salvaram a si mesmos ao pular de caminhões com destino ao matadouro.
O
tratamento dado aos porcos tem sido uma questão política em diversos estados americanos devido aos esforços para a aprovação de leis que proíbam o confinamento de porcas em celas de gestação.
Friedrich diz que ele consegue mais progressos com legisladores estaduais nesta questão quando ele argumenta que porcos são mais avançados cognitivamente que cães e gatos.
“Eles iriam se horrorizar se cães ou gatos fossem submetidos às mesmas condições”, conta Friedrich.
Bob Martin, especialista em sistemas alimentares da Escola de Saúde Johns Hopkins, afirma que ele desenvolveu uma apreciação da complexidade emocional dos porcos quando trabalhou recentemente como diretor executivo da instituição Pew Commission on Industrial Farm Animal Production.
“Porcas em celas de gestação mostram diversos sinais de depressão”, disse ele. “Quando eu fui a uma fazenda em Iowa onde os porcos não estavam confinados, eles vinham correndo para cumprimentar o fazendeiro assim como fazem os cães. Eles queriam interagir com ele”.
O professor Bernard Rollin, que leciona Filosofia e Ciência Animal na Universidade do Colorado, acredita que uma “cegueira ideológica” faça pensar que estes animais não são inteligentes. Ele considera que o problema possa residir no fato das pessoas verem estes animais como rebanhos. “Você vê mil vacas ou porcos e pensa que eles são iguais, mas há realmente diferenças individuais imensas”, argumentou ele.
De acordo com o Farm Sanctuary, vacas ficam estimuladas quando recebem desafios intelectuais, galinhas podem andar por labirintos e antecipar o futuro, e ovelhas são capazes de lembrar de dezenas de fisionomias individuais humanas e de outras ovelhas por mais de dois anos.
Há pesquisas sugerindo que campanhas como a Someone Project podem exercer grande influência nos consumidores. Em um recente estudo que examinava as dúvidas que as pessoas tinham quanto a comer carne, os psicólogos Matthew Ruby e Steven Heine da Universidade de British Columbia concluíram que o nível de inteligência dos animais não-humanos era a preocupação mais comum.
Outro estudo conduzido por pesquisadores universitários da Austrália e Inglaterra revelou que muitas pessoas que comem carne sentem conflito moral se lembradas da inteligência dos animais que estão consumindo.
“Embora a maior parte das pessoas não se importe em comer carne, elas não gostam de pensar que os animais que elas comem têm mentes pensantes”, escreveram os pesquisadores no Boletim de Personalidade e Psicologia Social.
Dena Jones, gerente do Animal Welfare Institute, prevê que a consciência sobre a inteligência dos animais explorados para alimentação humana deverá aumentar constantemente, levando a uma maior pressão sobre a indústria, desde os varejistas de alimentos até as cadeias de restaurantes.
“São os varejistas que irão forçar a indústria a trazer suas práticas em linha com as expectativas dos consumidores”, disse ela.
Janeen Salak-Johnson, professora do Departamento de Ciências Animais da Universidade de Illinois, disse que observa um conflito entre seus estudantes quando eles se defrontam com questões sobre bem-estar animal e suprimento de alimentos. Ela conta que, enquanto alguns alunos do subúrbio de Chicago estão partindo para dietas vegetarianas, os de comunidades rurais têm a crença de que as fazendas locais ajudam a alimentar o mundo.
Salak-Johnson se diz a favor de um “meio termo”, e alega que campanhas como a Someone Project vão longe ao tentar equalizar animais que ela chama “de produção” com animais domésticos.
“Nós não podemos deixar todos estes animais livres – não é um sistema economicamente sustentável”, afirmou ela, que ainda acrescentou: “Precisamos cumprir nossas obrigações com estes animais, mas é justo da nossa parte fazer o mundo passar fome?”.
Por Nathalia Mota