27 de março de 2013

Todos os seres que sentem dor merecem direitos humanos



Tradução de Luiz F. M. Candido (em colaboração para a ANDA)
A palavra especismo me ocorreu enquanto estava deitado numa banheira em Oxford há 35 anos atrás[1]. Era como racismo ou sexismo – um preconceito baseado sobre diferenças físicas moralmente irrelevantes. Desde Darwin nós sabemos que nós somos animais humanos ligados a todos os outros animais através da evolução; como, então, nós podemos justificar nossa quase total opressão sobre todas as outras espécies? Todas as espécies animais podem sofrer dor e aflição. Animais gritam e se contorcem como nós; seus sistemas nervosos são similares e contêm as mesmas substâncias bioquímicas que nós sabemos que estão associadas à experiência de dor em nós mesmos[2].
Nossa preocupação com a dor e o sofrimento dos outros deveria ser estendida a qualquer “dorente”[3] [painient] – sensibilidade à dor – sendo independente de seu sexo, classe, raça, religião, nacionalidade ou espécie. De fato, se alienígenas vindos do espaço forem dorentes, ou se nós alguma vez fabricarmos máquinas que sejam dorentes, então nós devemos ampliar o círculo moral para incluí-los. A dorência é a única base convincente para a atribuição de direitos, ou, de fato, interesses a outros.
Muitas outras qualidades, tais como “valor inerente”, têm sido sugeridas. Mas valor não existe na ausência de consciência ou de consciência potencial. Então, pedras, rios e casas não têm interesses e nem direitos próprios. Isto não quer dizer que eles não tenham valor para nós, e para muitos outros dorentes, incluindo aqueles que precisam deles como habitats e que sofreriam sem eles.
Muitos princípios morais e ideais foram propostos ao longo dos séculos – justiça, liberdade, igualdade, fraternidade, por exemplo. Mas esses são meros trampolins para o bem supremo, que é a felicidade; e felicidade se torna fácil através da libertação de todas as formas de dor e sofrimento (usando as palavras “dor” e “sofrimento” de forma intercambiável). De fato, se você pensar sobre isso cuidadosamente você pode ver que a razão porque aqueles outros ideais são considerados importantes é que as pessoas acreditaram que eles são essenciais para o banimento do sofrimento. Na verdade, eles às vezes têm esse resultado, mas nem sempre.
Por que enfatizar dor e outras formas de sofrimento em vez de prazer e felicidade? Uma resposta é que a dor é muito mais poderosa que o prazer. Você não preferiria evitar uma hora de tortura a ganhar uma hora de felicidade? A dor é o único e verdadeiro mal. E quanto ao masoquista? A resposta é que a dor lhe dá prazer, que é maior que sua dor!
Um dos princípios importantes da dorência [painism] (o nome que dou a minha abordagem moral) é que devemos nos concentrar sobre o indivíduo porque é o indivíduo – não a raça, a nação ou a espécie – que faz o sofrimento real. Por esta razão, as dores e os prazeres de várias pessoas não podem significativamente ser agregados, como ocorre no utilitarismo e outras teorias morais. Um dos problemas com a visão utilitarista é que, por exemplo, o sofrimento de uma vítima de estupro de uma gangue pode ser justificado se o estupro dá uma maior soma total de prazer aos estupradores. Mas a consciência, seguramente, é delimitada pelas fronteiras do indivíduo. Minha dor e a dor dos outros estão então em categorias separadas; você não pode adicionar ou subtraí-las de um e de outro. Elas são mundos separados.
Sem experimentar diretamente dores e prazeres eles não estão realmente lá – nós estamos contando apenas suas cascas. Assim, por exemplo, causando 100 unidades de dor em um indivíduo é, eu diria, muito pior do que infligir uma única unidade de dor em mil ou um milhão de indivíduos, apesar de o total de dor no primeiro caso ser muito maior. Em qualquer situação nós deveríamos, portanto, nos preocupar primeiramente com a dor do indivíduo que é o máximo sofredor. Não importa, moralmente falando, quem ou o que o sofredor máximo é – se humano, não humano ou máquina. Dor é dor independentemente de seu hospedeiro.
É claro que cada espécie é diferente em suas necessidades e em suas reações. O que é doloroso para alguns não é necessariamente assim para outros. Então nós podemos tratar diferentes espécies diferentemente, mas deveríamos tratar o sofrimento igual sempre igualmente. No caso dos não humanos, nós os vemos impiedosamente explorados em fazendas industriais, em laboratórios e na natureza. Uma baleia pode levar 20 minutos para morrer após ser arpoada. Um lince pode sofrer por uma semana com sua perna quebrada em uma armadilha dentada de aço. Uma galinha de bateria vive toda sua vida incapaz até mesmo de esticar suas asas. Um animal em um teste de toxicidade, envenenado com um produto doméstico, pode permanecer em agonia por horas ou dias antes de morrer.
Estes são grandes abusos causando grande sofrimento. No entanto, eles ainda são justificados sobre a base que esses dorentes não são das mesmas espécies que nós mesmos. É quase como se algumas pessoas não tenham ouvido falar de Darwin! Nós tratamos os outros animais não como semelhantes, mas como coisas insensíveis. Nós não sonharíamos em tratar nossos bebês, ou adultos mentalmente deficientes, dessa maneira – mesmo que esses humanos sejam às vezes menos inteligentes e menos hábeis para comunicar conosco do que são alguns não humanos explorados.
A verdade simples é que nós exploramos os outros animais e lhes causamos sofrimento porque nós somos mais poderosos que eles. Isso quer dizer que se aqueles alienígenas anteriormente mencionados desembarcarem na Terra e se tornarem mais poderosos do que nós, gostaríamos que eles – sem discussão – perseguissem-nos e matassem-nos por esporte, fizessem experiências conosco ou nos criassem em fazendas industriais e transformassem-nos em saborosos hambúrgueres? Deveríamos aceitar sua explicação de que fazer todas essas coisas seria perfeitamente moral para eles porque nós não éramos de sua espécie?
Basicamente, tudo se resume à lógica fria. Se nós nos direcionamos para nos preocuparmos com o sofrimento de outros seres humanos então logicamente nós deveríamos nos preocuparmos com o sofrimento de não humanos também. É o explorador cruel dos animais, e não o protetor dos animais, que está sendo irracional. Mostrando uma tendência sentimental para colocar sua própria espécie em um pedestal. Todos nós, graças a Deus, sentimos uma faísca natural de simpatia pelos sofrimentos dos outros. Precisamos pegar essa faísca e transformá-la num fogo de compaixão racional e universal.
 Tudo isso tem implicações, é claro. Se nós gradualmente levarmos os não humanos ao mesmo círculo moral e legal como a nós mesmos, então nós não seremos capazes de explorá-los como nossos escravos. Muito progresso tem sido feito com a sensível nova legislação Europeia nas décadas recentes, mas há ainda um longuíssimo caminho a percorrer. O reconhecimento internacional do estatuto moral dos animais está muito defasado. Há vários tratados de conservação, mas nada no nível das Nações Unidas, por exemplo, que reconheça os direitos, interesses ou bem estar dos próprios animais. Isso deve, e eu acredito que vai, mudar.

*Texto original de Richard Ryder, publicado na página do The Guardian em 2005.
Por Nathalia Mota

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