Texto de Fábio Euksuzian
Nem todos sabem, mas todo esse samba no pé que assola nosso país nessa época do ano, crava suas controversas origens na mais remota antiguidade, em um antigo festival que celebrava as épocas de colheita às margens do Nilo; reverência ao Deus Saturno em Roma ou culto às qualidades de Dionísio na Grécia…bem, o que se sabe é que passados alguns séculos, a festa começou a ser “organizada” pela Igreja Católica e a dar início à famosa Quaresma – quarenta dias de abstinência de carne, com objetivo de amenizar os pecados e que se encerraria somente no domingo de Páscoa.
Com o passar do tempo, o festival tornou-se uma barafunda total. Para que se tenha um vislumbre da inversão de valores, o termo carnaval provém do latim carna vale, que significa carne adeus e a celebração em si, dentre outras coisas, serviria como uma grande e disfarçada manifestação artística contra os governos atuais; tanto é que o termo folia, maciçamente utilizado em época carnavalesca, vem do francês folie, termo que significa loucura, aludindo aos participantes da festa que fingiam-se de loucos para não serem detectados pelos guardas governamentais. Pena que toda essa simbologia faz parte do passado. Há tempos que os papéis se inverteram: Carnaval hoje é sinônimo de tudo, menos de reflexão, seja ela alimentar ou social.
Atualmente a festa se faz somente pela festa, sem a mínima preocupação com alimentação ou introspecção. A arte, neste caso, ao invés de instigar a reflexão, nos embriaga com alguns dias de alienação para que não pensemos em mais nada e retornemos à vida normal como eunucos de serpentina. Já reparou que grande parte das medidas provisórias do governo é lançada antes do Carnaval? O velho morde e assopra! Acredito que esta subliminar atitude seja uma dentre outras razões para que não tenhamos grandes revoluções no Brasil, pois quando pensamos em começar a pensar…já é Carnaval e tem Coringão na televisão.
Por que será que praticamente todos os feriados perderam sua função de relembrar e refletir sobre a data comemorativa em questão? Por exemplo, escrevi este artigo logo após o Natal passado e foi àquela coisa de sempre: feliz Natal pra cá, feliz Natal pra lá e, a cada feliz Natal escutado eu pensava com meus botões: o que será que eles estão desejando com isso? É fácil perceber o que as pessoas nos desejam quando dizem ótimo ano…, mas no Natal esquecem-se da simbologia da celebração do renascimento, da reflexão dos caminhos etc.
Bem, culpa um pouco nossa e também da mídia de uma forma geral, pois não nos interessamos pela data em si, a não ser que não trabalharemos neste dia. Obviamente não estou dizendo para ficarmos todos em casa pesquisando sobre o assunto em questão, ou sairmos em passeata pelas ruas, mas nos faria mal curtir os feriados com um pouco mais de consciência, refletindo sobre o que deve ser refletido?
Por que será que temos a tendência de deturpar as coisas? Arrisco escrever que, baseados em nossos princípios egóicos e em nossas próprias bagagens culturais, interpretamos tudo de acordo com o que nos foi ensinado, da forma que fomos criados e de acordo com aquilo que achamos correto. Por exemplo, será que o que entendemos da Bíblia é realmente aquilo que Jesus quis dizer? Será que os islâmicos interpretam o Alcorão da forma que Maomé imaginou? Quem me garante que você está tendo a impressão exata daquilo que eu quis realmente dizer com este artigo? Provavelmente não. Isso acontece porque julgamos o mundo sob nossa própria ótica como amantes Narcisos diante do espelho da bruxa da Branca de Neve, ou seja, adaptamos o mundo às nossas próprias conveniências. De certa forma, isto é natural, no entanto, sem querer ou por vezes querendo, destruímos tradições ancestrais para tão somente aplacar nossas mesquinhas expectativas. Somos escravos de nossos sentidos, pois somos guiados por essas cinco portas de entrada das percepções (audição, olfato, paladar, visão e o tato) e é através delas que construímos os nossos próprios mundos.
“O processo da morte começa no momento em que você nasce, mas se acelera consideravelmente durante os grandes jantares.” Carol Matthau
E aí vem mais um Carnaval, regado a muita carne, álcool e drogas, embotando cérebros e deteriorando estupefatos estômagos. E lá vamos nós, abstêmios em todos os sentidos, a presenciar uma festa cheia de energia, mas desregrada de essência, curtindo a unidade dentro da diversidade. Pelo menos, não teremos dificuldade em cumprir a Quarentena, não é mesmo?
Por Henrique Cruz e Willian.
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