A Filosofia Autocontraditória da PETA sobre a Ética Animal
A PETA é famosa por chamar o filósofo utilitarista Peter Singer de "o pai do movimento pelos direitos animais", bem como chamar o livro de Singer, Libertação Animal, de "bíblia dos direitos animais". Ironicamente, porém, Singer é um utilitarista de ato que rejeita explicitamente os direitos de qualquer um, humano ou não-humano. Em contradição com o lema da PETA, Singer acredita que os animais são nossos para comer, vestir, e para experimentos (1, 2, 3). Segundo Singer, contanto que os criemos e os matemos "humanitariamente", ou de forma indolor o mais razoavelmente possível, não há nada de errado com o uso de animais para os nossos propósitos. Em outras palavras, para Singer, seguindo o filósofo utilitarista Jeremy Bentham do século XVIII que fundou o movimento de bem-estar animal há 200 anos atrás, o assunto é o tratamento, e não o uso.
Assim, de acordo com a PETA, temos um filósofo de "direitos animais" que é o "pai" do movimento pelos direitos animais e escreveu a sua "bíblia", mas em franca contradição, concordaria com Jeremy Bentham que os direitos (para qualquer um, incluindo os humanos) são "bobagens sobre pernas de pau".
Por que a PETA, cujo lema afirma que os animais não são nossos, e apresenta-se como uma organização de "direitos animais", promove um filósofo que rejeita os direitos animais e acredita firmemente que é moralmente permissível explorar os animais? Esta é a contradição central que estabelece as bases para a maioria das outras contradições que vamos analisar neste ensaio.
As Atividades Autocontraditórias da PETA
Como um erro grave feito no início de um problema de matemática longo, a autocontradição filosófica da PETA persiste na maioria das atividades que realiza, tornando essas atividades confusas e enganadoras no melhor e no pior dos casos, antiéticas e regressivas para os direitos animais. Se a nossa filosofia - o nosso projeto e a base para a realização de nossas atividades - é seriamente defeituosa, então não importa o quão bem nós executamos essa filosofia, ela nos levará ao caminho errado e a resultados finais ruins e negativos. O que se segue é uma lista de atividades habitualmente exercidas pela PETA - as campanhas de bem-estar, o sexismo, os golpes de publicidade embaraçosos, um modelo de negócio de autointeresse, e a pior de todas, a matança injustificada – tudo isto contraria completamente a filosofia dos direitos animais e as suas bases de justiça, não-violência, bom senso, e igual consideração de outros com base em critérios moralmente relevantes.
As Campanhas Bem-Estaristas da PETA Contradizem os Direitos Animais
PETA atribui uma parcela substancial do seu dinheiro, tempo e esforço para grandes campanhas que tentam reformar e regulamentar os métodos e práticas da indústria de exploração animal. Isso ajuda a reforçar o paradigma especista de duas maneiras importantes: 1) Ao acrescentar camadas adicionais de regras e regulamentações e empregos adicionais de "fiscais", fortalece o sistema legislativo, econômico e burocrático que apoia a escravidão animal, e 2) Através da comercialização destas reformas e regulamentações, as pessoas se sentem melhor em contribuir para o estupro, tortura e assassinato [1] de dezenas de bilhões de seres inocentes, anualmente, o que, por sua vez aumenta os lucros da indústria.
Estas campanhas de bem-estar são compatíveis com a filosofia utilitarista especista de Peter Singer [2], mas contradizem qualquer conceito significativo de direitos animais. É inútil falar sobre que "direitos" alguém pode ter, se esse alguém não tiver o direito básico de não ser intencionalmente morto ou seriamente prejudicado para os propósitos de outros. Por exemplo, pense em como iríamos avaliar as campanhas feitas por uma organização de direitos humanos para a regulamentação que proíbe certos métodos de escravidão, estupro, tortura e assassinato, em vez de fazer uma campanha de forma consistente e inequívoca para o fim dessas práticas. A grande maioria de nós se oporia a uma organização de "direitos" humanos que não tem ambição, a ponto de tolerar tais atividades, independentemente de seus lemas superficiais e banalidades sobre "direitos". A única coisa que nos impede de nos opormos à PETA, pelas mesmas razões, é o nosso especismo.
A Política de Matança da PETA Contradiz os Direitos Animais
Infelizmente, existem milhares de casos por ano em nossa sociedade extremamente especista onde cães e gatos são encontrados em uma condição tão dolorosa, lamentável e irreversível, que o único curso de ação apropriado é a eutanásia. Se um dia eu estiver em um estado terminal de dor intensa ou coma, eu venho manifestar a minha imensa gratidão com antecedência àqueles que vão acabar com a minha vida de forma rápida e indolor. Nesses casos, onde a vida já não tem valor intrínseco, devido às mudanças permanentes em sua natureza (ou seja, dor terminal grave ou coma), a PETA faz a eutanásia e deveria eutanasiar animais.
Mas a PETA vai além da mera eutanásia de animais doentes terminais ou inadotáveis. Em outra contradição em relação aos direitos animais, a PETA mata cães e gatos saudáveis e adotáveis, que são classificados como "indesejados". A PETA também se opõe aos abrigos que não matam. Naturalmente, essas duas políticas são compatíveis com a visão bem-estarista (e especista) de Peter Singer, de que cães e gatos não têm interesse em continuar a existir, eles apenas têm interesse em não sofrer. Mas essas políticas não são consistentes com a visão dos direitos animais na qual não-humanos sencientes têm um interesse importante tanto na existência continuada e em não sofrer. Quando esses dois interesses se opõem fortemente, nós podemos ter uma decisão difícil a tomar, mas ser "indesejado" não é o mesmo que suportar sofrimento terminal ou um coma permanente. Quando a PETA mata um cão, ou gato saudável adotável, que eles consideram "indesejáveis", é uma decisão baseada em preferências antropocêntricas utilitaristas, e não em direitos animais. [3]
Novamente, a grande maioria de nós se opõe fortemente a uma organização de direitos humanos que se desculpa e até se envolve no assassinato em massa de refugiados humanos; e tenta justificar tais ações, apontando para o problema da superpopulação e para o sofrimento em potencial dos refugiados, se nós não os matarmos. É o especismo que proíbe as pessoas, incluindo muitos defensores dos animais, de reconhecer a injustiça neste ato.
O Sexismo da PETA Reforça Indiretamente o Especismo
O especismo, racismo, sexismo, e heterossexismo são todos preconceitos enraizados na mesma confusão subjacente que ignora características moralmente relevantes, como a senciência ou interesse, a favor de características moralmente irrelevantes, como a espécie ou raça, na prestação de igual consideração aos outros. E ainda assim muitas pessoas são defensoras fortes e apaixonadas tentando eliminar um ou mais desses preconceitos, enquanto ironicamente ridicularizando outro. É comum ver as feministas, ativistas LGBT e defensores dos direitos civis ridicularizarem as considerações sobre o especismo, enquanto alegremente ignoram as implicações subjacentes às suas rejeições. Muitos condenam o preconceito dos outros, mas não podem ver os seus próprios.
O mesmo acontece em outra direção com a PETA e o seu sexismo. Se a PETA está explorando mulheres em campanhas de pele e carne, reforçando o paradigma atual da sociedade que vê as mulheres como objetos e seus corpos como mercadorias, por que alguém deveria levar a sério o que uma organização tão hipócrita tem a dizer sobre o especismo? Os defensores das questões sobre a justiça social tornam a sua própria causa trivial quando banalizam as causas dos outros.
Golpes de Publicidade da PETA Banalizam uma Injustiça Grave
Quando olhamos para o sucesso dos movimentos de justiça social do passado - a abolição da escravidão no século XIX, as sufragistas, o movimento dos direitos civis -, vemos que seus líderes eram pessoas de caráter forte, sério e nobre. Frederick Douglass, William Lloyd Garrison, Susan B. Anthony, Elizabeth Cady Stanton, Martin Luther King e Rosa Parks não eram o tipo de pessoas que se envolveram em cenas de publicidade ridículas ou embaraçosas para chamar a atenção da mídia de seu tempo. Quando receberam a atenção do público, foi por causa da força moral de suas mensagens e palavras, não porque "ficaram nus" ou se envolveram em apelo humorístico ou outros truques que banalizaram as injustiças que estavam lutando contra.
Em contraste, a PETA é mais conhecida por seus golpes de publicidade abomináveis e muitas vezes sexistas e de autopromoção vistosa, recorrendo aos aspectos mais inferiores das atitudes e comportamentos humanos. Infelizmente, a PETA não pode nem mesmo tentar falar com autoridade moral, porque contradizeria claramente as suas atitudes e ações como manifestadas nos outdoors de "Salve as Baleias" que zombam da obesidade feminina, proibição de comerciais de televisão e campanhas sexistas, como "I'd Rather Go Naked Than Wear Fur "(Prefiro Ficar Nua do que Vestir Pele).
A Peta É um Negócio
As autocontradições da PETA podem ser atribuídas a dois fatores principais: 1) a sua contraditória mistura de filosofia utilitarista-bem-estarista tradicionais (animal sãonossos ...) com uma fachada de direitos e poderosa retórica ("animais não são nossos ..") e 2) que a PETA é, entre outras coisas, uma corporação que existe como pessoa jurídica, mas sem nenhuma consciência do potencial de um agente humano moral.
O ciclo de negócios da PETA começa com as campanhas de um só tema e bem-estaristas contra alvos fáceis (low hanging fruit) - práticas que a indústria não se importaria de mudar, mesmo que apenas por razões de relações públicas, mas muitas vezes por razões de rentabilidade também. PETA, em seguida, envia a mensagem urgente aos doadores: "AJUDEM! Doem quanto você puderem ou talvez nós não conseguiremos ser vitoriosos!" Doadores - a maioria dos quais não são veganos, e estão, portanto, contribuindo para os mesmos problemas que estão doando dinheiro para "resolver"- respondem abrindo seus talões de cheque e enchendo os cofres da PETA. Depois de várias semanas ou meses de campanha, o explorador alvo "aceita" a campanha da PETA. PETA imediatamente declara "VITÓRIA!" aos seus doadores e, geralmente como parte do acordo com o explorador alvo, a PETA promove o explorador com uma campanha de relações públicas, como fizeram com o KFC no Canadá.
O resultado do ciclo de negócios é que a PETA ganha doações e reforça a sua reputação como o "cão de guarda" da indústria, permitindo que eles perpetuem o ciclo indefinidamente. Doadores não-veganos ganham uma "vitória" e uma falsa sensação de que estão fazendo algo para compensar sua contribuição pessoal para o inferno que suas vitimas inocentes suportam. Os exploradores de animais ganham com o aumento da confiança pública mal orientada de que estes produtos são "humanitários" e com a obtenção do apoio de relações públicas de uma (assim chamada) organização de "direitos" animais. Os perdedores, é claro, são os seres inocentes que são explorados e mortos para os prazeres triviais daqueles que os veem como mercadorias.
Além disso, uma vez que existem muitas maneiras em que nós exploramos e infligimos crueldade em animais não-humanos sencientes, e já que a indústria é tão resistente às mudanças temporárias e superficiais provocadas pelas chamadas "vitórias", as oportunidades para as doações do ciclo de negócios das campanhas bem-estaristas, podem facilmente durar indefinidamente, ou por quanto tempo dura a própria indústria.
O Custo de Oportunidade da PETA
As contradições da PETA em retórica, filosofia e atividades - que levaram à confusão profunda do público e fortificação do "status quo" utilitarista-bem-estarista que existe desde Jeremy Bentham - têm sido um obstáculo ao progresso na promoção dos direitos animais, e continuará a ser uma barreira, enquanto ela continuar como uma organização de bem-estar animal.
No entanto, a PETA como uma barreira aos direitos animais é apenas uma parte do custo a qualquer movimento de abolição viável. A outra parte é o custo de oportunidade incorridos pela PETA. Deveríamos perguntar não apenas como a PETA pode remover-se como uma barreira, mas quanto mais a PETA poderia fazer sendo coerente com a filosofia dos direitos animais na sua educação pública. E se PETA deixar de lado as asneiras - as campanhas de só tema, as campanhas de bem-estar, o sexismo – e se engajar, exclusivamente, em educação vegana criativa, não-violenta? Quando se adiciona o custo de oportunidade ao custo de barreira, o custo total para o progresso dos direitos animais é enorme e trágico.
Veganos Contra a PETA
É de se perguntar por que os veganos que são sérios sobre os direitos animais e sobre o eventual declínio, queda e abolição da exploração animal industrial e matança são contra a PETA? Em Abolição versus Bem-Estarismo: Um Contraste em Teoria e Prática,( Abolition versus Welfarism: A Contrast in Theory and Practice) eu expliquei os pontos fortes e fracos da indústria e expliquei como o bem-estarismo atende às forças da indústria, enquanto que a abordagem abolicionista ataca as fraquezas da indústria.O bem-estarismo, o sexismo e a banalização de golpes publicitários todos resultam no fortalecimento da indústria. Só uma mensagem forte e consistente que não somos moralmente justificados em explorar não-humanos sencientes, e que o veganismo é um padrão mínimo de decência vai mudar o paradigma e resultar na eventual abolição da exploração industrial e crueldade. Grandes organizações empresariais como a PETA são os últimos grupos que precisamos para fazermos este progresso. Somente um forte movimento abolicionista de base pelos direitos animais prosperará.
Leitura Adicional
O tema neo-bem-estarismo em geral e PETA em particular é muito amplo para abordar com profundidade adequada em um ensaio neste blog. Assim, eu recomendo a leitura de Rain Without Thunder: The Ideology of the Animal Rights Movement do professor Gary Francione para uma análise mais abrangente e profunda dos problemas do neo-bem-estarismo e da PETA. Além disso, os links acima oferecem informações adicionais e as perspectivas sobre o tema do neo-bem-estarismo em geral.
Notas:
[1] Por "assassinato", refiro-me a matança desnecessária e intencional. Pelo menos 99% dos abates intencionais de animais em nossa sociedade são desnecessários, em qualquer acepção significativa da palavra, e, se algum ato se qualifica como assassinato, esse é um ato.
[2] Apesar de Peter Singer falar muito sobre como evitar o especismo (e implicitamente nega que ele seja especista), sua suposição de que os não-humanos sencientes não têm interesse em sua existência é, em si, claramente especista. Nós não precisamos de "projetos" em curso em nossa vida, como Singer acredita que é preciso, para ter um forte e importante interesse em continuar a existir. Todos os seres sencientes se esforçam pela existência, e não necessitamos de um especialista em etologia para confirmar isso. O esforço pela existência faz com que o interesse na existência continuada seja óbvio. Negá-lo aos não-humanos, ou definir o "interesse em continuar a existir" à exclusão deste esforço, é especismo.
[3] Uma análise aprofundada da população de cães e gatos e da questão da gestão da guarda estão além do escopo deste ensaio, então eu vou apenas dizer que a doença subjacente é a instituição da propriedade de "pets" e sua reprodução e consequente falta de esterilização e castração, que é responsável pelos inúmeros problemas que levam ao enorme sofrimento e morte intencional de milhões de cães e gatos anualmente. Se a PETA algum dia decidir ter uma abordagem baseada em direitos para esse problema, ela vai ajudar os abrigos que não matam; aumentar as suas contribuições aos programas de TNR (captura,castração, retorno), e educar o público sobre porquê a instituição da propriedade de"pet" é imoral. Toda reprodução é irresponsável; e a castração e a esterilização são essenciais para todos os cães e gatos existentes.
Fonte: Tradução autorizada pelo autor: Unpopular Vegan Essays de Dan Cudahy
Tradução: Vera Cristofani
Por Alex Peguinelli
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