Quando uma entidade de defesa dos animais é acionada, seja pela imprensa, pelo poder público ou pelos cidadãos, apenas em função de casos que envolvam problemas com animais “de companhia”, é preciso parar e refletir sobre o que isso significa e quais as suas consequências.
Entendemos que há um grande equívoco quando somente os “pets” são motivo de preocupação por parte da sociedade e, mais ainda, quando somente eles ocupam as ações para as quais as entidades de defesa dos animais se voltam. Este comportamento reflete uma visão superficial de Defesa dos Direitos Animais, significando que o restante dos animais – que não os “pets” – não merecem ser considerados com a mesma atenção.
Se militantes defensores dos animais já reconhecem que este é somente um ínfimo ponto (nem por isso desconsiderado) diante do holocausto animal, a angústia é inevitável, pois entende-se que este recorte tem origem no especismo eletivo. O conceito de especismo, desdobrado em eletivo e elitista por Sonia Felipe , tem contribuído decisivamente para as reflexões sobre que tipo de “defesa animal” queremos fazer. O especismo elitista é o hegemônico em nossas sociedades, que coloca todas as espécies como servas da espécie humana, gerando as mais variadas formas de violência institucionalizada.
Já o especismo eletivo ou afetivo escolhe uma ou mais espécies como dignas de proteção, de acordo com sua predileção ou “função”, sendo, portanto, a base de criação e manutenção da maioria do grupos de defensores dos animais e do ambiente. Animais como cães, gatos e cavalos, na condição de “domésticos” ou as baleias, onças e macacos, como “silvestres”, são recortes oriundos de uma base especista eletiva.
Como salienta Sonia Felipe, “passamos a defender os animais escolhendo os que julgamos mais adequados à expressão de nossa necessidade afetiva, estética, econômica, etc. Elegemos, então certos animais, de acordo com nossa predileção. (…) Não fugimos, desse modo, nem do antropocentrismo, nem do especismo.”
Muitas entidades de defesa dos animais surgem unicamente em função deste problema específico, porém algumas delas passaram a olhar também para os demais cantos escondidos da sociedade, identificando a realidade terrível dos animais que são convertidos não somente em “pets”, mas também em produtos desejáveis, servindo de comida, vestimenta, cobaias, usados como artistas para entretenimento humano em espetáculos e competições, bem como outros instrumentos para uso e deleite dos humanos.
Este é um ponto de avanço e amadurecimento: a superação do especismo eletivo dentro do Movimento de Defesa dos Direitos Animais. Mas não é o suficiente, pois resta fazer a conexão entre exploração animal, humana e ambiental. Enfim, resta praticar o que tanto se ouve falar: a defesa dos direitos de todas as formas de vida. E mais, identificar o inimigo comum: o sistema capitalista. Este inimigo, para sobreviver, precisa priorizar a obtenção do lucro de poucos em função da exploração de muitos, sejam eles humanos ou não. Sem desigualdade este sistema morre.
Para que o movimento de defesa animal supere estigmas historicamente arraigados em nossa sociedade, faz-se necessária a discussão sobre as origens históricas deste processo de naturalização da desigualdade, da exclusão, da discriminação e da violência. Não há como conciliar a Ética Biocêntrica, base de militância em defesa da vida, com o capitalismo.
A problemática animal, humana e ambiental precisa ser identificada como uma só, fruto de um modelo de produção e consumo calcado em exploração e competição, sendo impossível que esta lógica traga avanços para uma sociedade ética, sustentável, livre, justa e solidária para todas os seres que compartilham conosco este Planeta.
Há uma longa caminhada para que possamos implantar a tão desejada convivência harmoniosa, pacífica e equilibrada entre todos os seres, já que nem o socialismo – proposta de superação do capitalismo – conseguiu (ainda) incorporar a Ética Biocêntrica em sua base de luta.
Fonte - Rosana Gnipper e Andresa Jacobs
Por Nathalia Mota
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