24 de outubro de 2011


POR UMA GEOGRAFIA NÃO ESPECISTA


Discutimos no curso de Geografia: a humanidade é também natureza. Tudo faz parte da natureza. Discutimos também: vivemos em um modo de produção onde a humanidade é explorada por uma minoria de seus próprios integrantes. Comentamos: o “meio-ambiente” é explorado também neste processo. Mas não discutimos: o mesmo processo que explora humanos e o que eles consideram ser “recursos naturais” explora também outros animais não humanos, que possuem, em semelhança ao humano, a capacidade de sentir dor, incomodo, prazer e desprazer. E mais: não possuem apenas sensibilidade, mas também certa consciência destas sensações: são sencientes. Assim, tais animais sofrem atrocidades inenarráveis. Bilhões deles, constantemente. Um número gigante de atrocidades, de imposição de dor, desconforto, separação da família, do convívio social padrão de sua espécie, de seus comportamentos comuns, torturados, manipulados, debicados, engaiolados, enjaulados, acorrentados, adestrados, isolados, paralisados, testados, pendurados e assassinados. Tratados como coisas, como se seres vivos, indivíduos de outras espécies, pudessem ser propriedade de outros. Isto se chama escravidão.
Como coisas, propriedades de humanos, como qualquer outra coisa, no modo de produção capitalista, são apenas peças. Não possuem mais valor do que uma máquina qualquer (por exemplo: onde se coloca ração de soja e se tira carne muito mais cara). Não se considera a senciência dos animais, seus próprios interesses e vontades. É um crime absurdo que a maioria de nós é cúmplice no mínimo 3 vezes ao dia e, ainda, quando nos vestimos, consumimos cosméticos, medicamentos e mais um número incontável de produtos.

Proponho, por ora, duas questões:
1) Questionar movimentos chamados ambientalistas que não rompem com o modo de produção capitalista (ou não fazem uma crítica radical a ele) ou com qualquer modelo de mundo baseado no desenvolvimento industrial e na centralização de poderes. A exploração e a destruição de uma floresta ou uma espécie qualquer é parte do mesmo processo que explora um trabalhador em uma fábrica. É esse modelo de produção e consumo que está aí imposto para nós o responsável tanto pela destruição direta da natureza (e inclui-se aí a humanidade e os outros animais), quanto pela destruição ideológica que atinge cada vez mais profundamente a humanidade, fazendo-nos agir do modo mais brutal, egoísta, consumista e alienado (em todos os sentidos) possíveis.
2) A produção do conhecimento (no nosso caso, da Geografia) deve iniciar a reflexão sobre a existência dos animais não humanos não apenas como elementos dos chamados “recursos naturais”, mas como seres capazes de sentir e de ter consciência deste sentir. Esse fato – a senciência – deve estar presente em nossos juízos éticos e, portanto, em nossa produção científica.
Os animais possuem o mesmo direito que os humanos de viver em liberdade e em lugares adequados, limpos, diversos, e de fazer aquilo que costumam fazer como membros de suas espécies. Não deveriam ser vistos, nas pesquisas geográficas, como recursos econômicos, meios de transporte, alimento, etc., ou seja, como propriedade.
Não tratar os animais com o devido respeito só por não fazerem parte de nossa espécie possui já (desde a década de 1970) um nome: especismo. Esse termo foi criado com base em termos como sexismo ou racismo. O princípio é o mesmo: achamos que não devemos respeitar um grupo de seres pelo simples fato de não fazerem parte de nosso sexo, de nossa raça ou de nossa espécie. Não há como justificar eticamente estas escolhas. Se já sabemos da senciência dos seres, de suas riquíssimas vidas e comportamentos, não há como justificar a continuidade das fazendas-fábricas, das gaiolas, zoológicos, biotérios (aqui na PUC há um!), dos testes crudelíssimos de produtos e substâncias em seus organismos, dos testes psicológicos, etc.
Da mesma forma, não podemos permitir que se faça uma Geografia (e qualquer ciência) que não considere os animais do modo apropriado, que não os veja, como aos humanos, como seres complexos e oprimidos, sofrendo nas mãos de carrascos.
A luta contra o especismo é uma luta abolicionista, cuja particularidade é que os segregados e explorados não possuem voz para falarem por si mesmos.

É preciso considerar os animais e seus LUGARES tanto quando aos humanos e seus LUGARES. Novas coexistências, novas geograficidades...

Dennis Zagha Bluwol

Dennis Zagha Bluwol é mestre em Geografia. Possui como interesses principais: a geograficidade da existência humana em ambientes urbanos, os conceitos de natureza, as características de nosso modelo de civilização e do modo de produção capitalista, possíveis modos de organização social e de relação com o resto da natureza e Permacultura. Foi coordenador do antigo grupo São Paulo da Sociedade Vegetariana Brasileira.

Por Willian Santos

Um comentário:

  1. ótimo saber que já existem, dentro da geografia, pessoas interessadas nessa discussão!

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