23 de junho de 2011

Emoções nos animais: uma ponte para a ética?


Cientificamente, o que podemos dizer de uma manada de elefantes que sempre viajava devagar, pois um de seus membros nunca se recuperara por completo da fratura de uma perna quando era filhote? Ou de outra manada, também de elefantes, em que uma das fêmeas carregava um filhote morto há dias, e os outros elefantes acompanhavam o seu passo lento? Agiam por instinto, por uma questão de sobrevivência? Ou poderíamos dizer que os animais estão agindo de acordo com seus sentimentos, como provavelmente diríamos a respeito dos humanos?

Quem desfruta a companhia de um cão, gato ou qualquer outro animal, por vezes pode perceber certas semelhanças conosco. Com certeza essas pessoas diriam que seus animais têm emoções, embora não saibam precisa-las. Caso essas mesmas pessoas sejam cientistas que tiveram uma educação cartesiana, elas podem afirmar, com mais cautela, sobre a possibilidade de emoções, mas será pouco provável que elas ignorem completamente a possibilidade de existência de emoções nos animais.

Em nosso cotidiano, todos sentimos e conversamos sobre emoções. Entretanto, cientificamente, poucos são os que se atrevem pronunciar a respeito. Tal ousadia se intensifica quando o assunto é especificamente dirigido aos animais: às emoções dos animais. É nessa corda bamba que os autores decidem caminhar. Tentando se equilibrar entre as acusações de anticientífico e antropomorfizador ou de negligenciar as evidências empíricas das pessoas que lidam com animais.

Ele: Jeffrey Moussaieff Masson, psicanalista e doutor em sânscrito.  Desde a década de 1990, dedica-se à investigação da vida emocional dos animais, escrevendo também outras obras sobre o tema, inclusive o prefácio do livro de Tom Regan, Jaulas vazias. Ela: Susan McCarthy, diplomada em biologia e jornalismo.  Ambos, dando-se conta da inexistência de publicações sobre a vida emocional dos animais, concluíram que o livro que gostariam de ler ainda precisava ser escrito.

Um dos motivos para a falta de publicações científicas sobre as emoções dos animais é o medo de ser acusado de antropomorfismo, “uma forma de blasfêmia científica”, com o qual os autores lidam muito bem. Cada capítulo trata de uma emoção e em nenhuma ele oferece respostas definitivas. É, realmente, uma emoção atrás da outra em cada história sobre os sentimentos em diversas espécies de animais. Com os exemplos das narrativas, o que pretendem é fazer o leitor ‘parir’ suas conclusões. Por isso, talvez pudéssemos defini-lo como um livro maiêutico. Nele somos levados a viver as histórias junto aos animais e a nos identificarmos com as diversas situações. Através da identificação dos sentimentos e situações passadas, somos também levados a nos questionar, além da especificidade de nossa espécie. Questionamo-nos se temos certeza sobre o que sentimos e sobre o significado daquilo que sentimos.  Afinal, como temos certeza que o outro sente a emoção que ele realmente diz estar sentindo?

O inovador é a crítica que os autores fazem aos cientistas que tentam negar as emoções animais, pois afirmam serem todas frutos de antropomorfismo. Ele provará ser possível, pela observação, percebermos as semelhanças entre nossos sentimentos e os deles. Contudo, não deixa de perceber os limites e as diferenças entre animais humanos e animais não-humanos. Uma percepção interessante dessa linha é a da filósofa britânica Mary Midgley, citada no livro, quando ela diz que os treinadores indianos de elefantes podem sim interpretar erroneamente alguns dos comportamentos dos elefantes, pois os aproximam demais dos humanos. Contudo, se eles ignorassem os sentimentos básicos do dia-a-dia – como, por exemplo, quando eles estão irritados ou desconfiados – eles não só teriam problemas como treinadores, como também correriam risco de vida.

Atualmente, a ciência que mais se aproxima das emoções animais é a etologia, que estuda o comportamento animal. Porém, esta procura explicações causais para o comportamento dos animais, e não emocionais, recorrendo quase sempre aos instintos como justificativa. A visão tradicional diz ser mais recomendável estudar o comportamento do que tentar chegar às emoções subjacentes. Afinal, emoções são difíceis de serem catalogadas ou simplesmente descritas por palavras. Quando a descrevemos, estamos racionalizando um sentimento, algo por si só subjetivo. Mas como não racionalizar? Como compreender a emoção por si? Será possível termos empatia suficiente para nos colocarmos no lugar dos animais e entendermos com a mente/emoção deles?

Cesar Ades (1997) reconhece que compreendermos o animal nele mesmo implica um enorme problema de tradução de significados. Como já disseram os italianos, tradutore traditore, ou seja, nenhuma tradução é inteiramente fiel ao original. Ades também afirma que toda possibilidade de conhecimento sobre outra espécie será dada por meio de construção de significado.(1997;133 in Chipanzés não amam). Assim, tal conhecimento nunca será neutro.

Quando tratamos de outra espécie, corremos riscos toda hora, como os já citados treinadores indianos de elefantes. Se acreditarmos que nossos sentimentos são as únicas e verdadeiras experiências que todos os animais possam ter, corremos o risco de humanizá-los, de não os compreendermos como eles são, nos enganarmos com relação às emoções e, pior, desrespeitar as emoções deles. Se tivermos muito medo de antropomorfizar, ignorando a possibilidade de semelhança que possam ter conosco, corremos risco de considerá-los objeto.
Há alguns anos atrás, etnólogos consideravam que determinadas emoções ocidentais não eram passíveis de ocorrer em culturas consideradas inferiores. “Parecia irrelevante, então, querer saber algo a respeito de compaixão ou do sentimento estético em certas tribos montanhesas, como agora parece acontecer quando se quer catalogar os sentimentos estéticos entre os ursos”(2001;40). Da mesma forma em que é possível supor sentimentos de humanos pela linguagem corporal (sem que haja comunicação verbal), também o é quanto aos não-humanos, mesmo que a linguagem corporal seja completamente diferente. O que uma pessoa sente nunca poderá ser exatamente percebido pela outra.

Quando uma fêmea protege seu filhote, dizemos que é instinto. Porque não podemos dizer isso de uma mãe protegendo seu filhote? Reconhecendo que seja instinto, isso significa ausência de amor, significa que não há emoção? No decorrer do livro, os autores propõe essa junção. Não ignoram as vantagens evolucionistas, entretanto reconhecem que não são suficientes. É preciso ir além, reconhecer que, como nós, nem todas as emoções são benéficas evolutivamente, como os casos narrados no início dessa resenha: uma manada de elefante que anda lentamente em solidariedade a um companheiro não tem muitos benefícios evolutivos. Assim como animais que sofrem de tristeza: não há mérito nenhum em perder a vontade de tudo devido a perda de alguém. Ou o sentimento de medo, um dos mais frequentemente caracterizados como instinto. Quando muito intenso, ao invés de levar a fuga, pode produzir choque e levar a paralização. Por exemplo os gnus, quando encurralados por hienas, raramente tentam se defender. Permanecem na mesma posição enquanto são comidos vivos, mugindo.

Com o advento dos estudos de animais em laboratórios, o distanciamento dos cientistas em relação ao mundo dos sentimentos animais ficou ainda maior, para “proteger” a consciência dos pesquisadores. Os interesses profissionais e financeiros na continuidade da pesquisa animal, portanto, ajudam a explicar a resistência à noção de que os animais têm uma vida emocional complexa. Em muitos casos a emoção dos animais é detalhadamente descrita e constatada. Estas evidências, contudo, não são consideradas dignas de credibilidade cientifica, por não pertencerem ao modelo padrão “experimental”. Consequentemente, tais evidências, que poderiam inclusive ser base para um estudo mais aprofundado, não são publicadas. Os cientistas costumam afirmar que determinado comportamento de um animal é um mero reflexo ou atributo evolutivo, ao invés de atribuir a ele determinada emoção. Um pássaro canoro cantando, por exemplo, ao invés de ser visto cantando com alegria e prazer, é visto como um animal marcando território ou tentando atrair possíveis parceiros. Na realidade, nada impede a presença das duas visões. Uma não excluí a outra. A ciência necessita de abordagens mais eficientes e sofisticadas.  Os autores estão o tempo todo tentando conciliar essas diferentes perspectivas a fim de compreender o animal da forma mais fiel possível.
Os autores, reconhecendo a ausência de neutralidade no estudo dos animais, não somente demonstram que eles também tem emoções, como vão além mostrando o quanto a negação da possibilidade de sentimento não é só uma tentativa de “ser científico”, mas esconde interesses especistas.

Há uma urgência no humano em definir-se não apenas diferente do animal não-humano, mas inteiramente diferente dele, inclusive emocionalmente. As distinções não são neutras, apenas diferenças características, mas baseados nelas que os grupos dominantes pretendem justificar o seu poder. Assim, a suposta falta de emoções em animais é uma recorrente desculpa para justificar a sua exploração. Quando dessensibilizamos o outro, nos dessensibilizamos perante ao outro.


Entendemos aí o brilhante título do livro: Quando os elefantes choram. O choro remete a lágrima. Lágrimas são as únicas secreções consideradas dignamente humanas. As outras secreções são consideradas excrementos; pois, presentes em outros animais, nos lembram nossa condição animal, o mais natural de nosso ser, que não pode ser suprimido, embora deva ser excretado. As lágrimas não, elas constam nos livros, nas poesias, nas fotos, não precisam ser escondidas como são as outras secreções. Assim, Quando os elefantes choram – sim, eles podem também chorar – eles se aproximam de nós e fica cada vez mais difícil delimitar a barreira que nos diferencia dos outros animais.

Com tantas descobertas, a conclusão do livro não poderia deixar de ser brilhante. O autor discute a ética que deve surgir como consequência do entendimento correto das emoções animais. Aos poucos os cientistas começam a ter humildade suficiente para admitir que os animais também têm semelhanças conosco no campo sentimental. Isso nos coloca como mais uma espécie na natureza, não como os melhores, mas como diferentes. Iguais na capacidade de sentir a maioria das emoções e na vontade de viver, diferentes em outras características.

A ponte das emoções à ética pode ser construída pela empatia. É a capacidade de termos empatia que constrói o respeito e a consolidação pelo outro. Maturana diz que para termos empatia é preciso imaginação. Ele cita o jovem que, ao visitar uma exposição sobre Hiroshima, disse não se sensibilizar; Afinal, não tinha capacidade para incorporar no seu mundo aqueles japoneses, pois estavam tão distantes. Se não podia aceitá-los como legitimamente outro na convivência, não se preocuparia com eles. Maturana deduziu que é necessária imaginação para se ter empatia. Imaginação para tentarmos compreender o outro, o sentimento alheio, incorporando-os em nosso mundo. Creio que esse é um grande mérito desse livro: através das histórias reais de animais de outras espécies, somos levados a imaginar e, assim, a nos colocar no lugar deles. Como Moussaieff Masson diz “Pode ser difícil imaginar o universo sensorial de outra espécie, mas não é impossível.” (2001,279).



Fonte - Por Tania Vizachri – Formada em Ciências Sociais, é professora de Sociologia do Ensino Médio.

Por Nathalia Mota

Um comentário:

  1. e, falando em emoções, senti muito desejo de ler este livro.

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